Os pontos nos ii
Férias judiciais
Se há coisa que me custa é que se caia em cima das pessoas que normalmente não têm ideias ou que, quando as têm, são más, nas raras ocasiões em que têm boas ideias. Foi o que aconteceu esta semana em relação ao Ministro da Justiça. Não gosto dele. Acho que é o elo mais fraco deste Governo. Mas finalmente teve uma boa ideia. E ninguém permitiu que ele tivesse essa boa ideia.
No programa "Diga lá, Excelência", Alberto Costa preconizou o fim das férias judiciais. Eu não podia estar mais de acordo. Porque a existência de férias judiciais, além de um erro político crasso, parece-me uma gravíssima calinada jurídica: é confundir o titular com o órgão. O juiz, enquanto funcionário público, tem direito a férias, evidentemente. Mas o juiz e o tribunal não se confundem.O tribunal não tem direito a férias, não precisa de férias nem deve estar de férias. O tribunal presta um serviço público da maior importância e os serviços públicos não devem tirar férias. O mesmo vale, mutatis mutandis, para os magistrados do Ministério Público.Lá porque os médicos têm férias, os hospitais não fecham...
E acho giríssimo ver as pessoas defender interesses corporativos mascarados de interesse público... O Dr. Rogério Alves veio, a propósito desta proposta, afirmar: «Basta imaginar um julgamento com um tribunal colectivo de três juízes e um procurador, no qual um juiz tivesse férias em Março, outro em Maio e outro em Junho e que o procurador gozasse férias em Novembro para perceber como o sistema funcionaria». Com o devido respeito, gostaria de lembrar que já existe um problema muito semelhante em muitas zonas do país, principalmente no interior. Há comarcas pequenas que apenas dispõem de um juiz. Para os casos em que a lei exige um colectivo de juízes, faz-se esta coisa fantástica de tão simples: juntam-se juízes de várias comarcas vizinhas para assegurar os actos processuais. Eles não deixam de se realizar, não ficam à espera de que seja destacado para aquela pequena comarca um número suficiente de juízes para garantir, por exemplo, uma vara cível. O mesmo poderia passar-se em relação às férias dos magistrados. Não seria necessário esperar que os juízes e o procurador regressassem de férias. Mas eu até compreendo que o bastonário argumente desta forma: dá-lhe jeito não ver uma solução tão simples. E tão bom ter férias garantidas em Agosto...
Gostaria ainda de lembrar que muitíssimos países europeus não têm férias judiciais. E não consta que os magistrados desses países não tenham férias... Vem o bastonário dizer acerca disto: «há países [onde não há férias judiciais] onde a justiça funciona tão mal ou pior que em Portugal». Gostava de saber em concreto quais são esses países. Mas mesmo dando de barato que assim seja, por que é que temos sempre a mania de nos espelharmos nas coisas que correm mal? Por que temos de aventar contra qualquer medida que represente uma tentativa de mudança que alguém, de entre os milhares que a aplicaram com sucesso, não obteve o resultado esperado? Por que temos em nós esta coisa de velhos do Restelo de pensarmos que Portugal nunca há-de ir a lado nenhum e que, se alguma coisa resultou na esmagadora maioria dos casos mas correu mal num deles, nós vamos seguir o exemplo desse um e não de todos os outros que tiveram sucesso?
Já dizia Alexandre Herculano que "o país é pequeno e os homens também não são lá muito grandes"...
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