sexta-feira, março 09, 2007

Os pontos nos ii




Ser catolica e de esquerda


Hoje vou falar sobre um tema que durante muitos anos me atormentou, ate perceber que era um falso problema.
Estudei toda a vida num colegio catolico, o Colegio de S. Joao de Brito, facto do qual, alias, muito me orgulho porque este estabelecimento de ensino imprimiu em mim muitas das caracteristicas que hoje me sao idiossincraticas e sem as quais eu nao seria eu. Talvez a principal delas seja o facto de ser catolica e de ser de esquerda.
A minha familia e de esquerda, distribuindo-se as simpatias politicas pelo PS e PCP em partes mais ou menos iguais. Desde pequena que os ideais da esquerda fazem parte do meu quotidiano. Mas acontece que, va-se la saber porque, resolveram matricular-me num colegio catolico onde todos os meus colegas e professores eram de direita-direitissima (leia-se CDS). Alias, chegar a Faculdade foi para mim uma verdadeira epifania: pela primeira vez na vida nao era uma especie de D. Quixote lutando contra moinhos. Havia gente que pensava como eu.
Recordo-me a este proposito de um coloquio que houve aquando do referendo de 1998 em que, na assistencia, tive a dura tarefa de tentar um esboco de contraditorio contra um painel de padres, medicos e psicologos mais ou menos terroristas do "não". O argumento "o feto ja chucha no dedo" e a carta do feto a Mae e coisas que tais... Mas isto dava para uma outra cronica...
Mas adiante. Tinha este problema mais ou menos esquizofrenico de ser de esquerda, como filha de peixe que sou, e catolica, como aluna do colegio que fui. Há no Colegio, e creio que na sociedade em geral, esta ideia errada de uma especie de aquisicao de dominio da direita sobre a Igreja. Ou vice-versa. Quem é catolico é de direita e quem é de direita é catolico e qualquer outra solucao é contraditoria. A direita conseguiu convencer-nos disso e quando vamos a missa depois de termos estado num comicio do PS sentimos involuntariamente um friozinho na barriga.
Ate que um dia, a caminho do Algarve pela Nacional para fugir a um transito medonho na auto-estrada, passamos numa aldeia alentejana, de seu nome Cuba, onde vi esta coisa extraordinaria: uma bandeira do PCP ao lado de um crucifixo. Fiquei a matutar nisto ate Vilamoura. E finalmente compreendi.
Hoje estou convicta de que Jesus Cristo, se tivesse vindo ao mundo nos nossos dias e nao no ano 0, seria um homem de esquerda. Porque ele foi-o antes de haver esta coisa da Revolucao Francesa e da divisao do hemiciclo. Nao me passa hoje pela cabeca dizer que um homem que conviveu com pescadores, camponeses, prostitutas, doentes, invalidos e desafortunados de toda a ordem fosse outra coisa que nao um homem de esquerda. A direita e que conseguiu convencer-nos do contrario.

P.S.: Os acentos e as cedilhas nao querem nada com este post...

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6 Comments:

à s 11 de março de 2007 às 20:33, Anonymous Anónimo escreveu...

Não é à toa que se ouve muitas vezes, em tom de brincadeira é certo, que Jesus foi o primeiro Socialista! :)

 
à s 12 de março de 2007 às 01:23, Anonymous Anónimo escreveu...

Andei 15 anos no Colégio S.João de Brito,até certo ponto não tinha a minha posição política muito definida (ou desenvolvida), mas sempre me apercebi do cariz,ou "tendência" (se me é relacionar esta designação neste contexto :) ) daquela escola que me formou e q me incutiu muito dos valores pelos quais me oriento.Assim, creio que também me posso inserir (não de forma tão vincada obviamente) nas pessoas de esquerda que frequentaram o SJB. Se calhar considerar-me uma pessoa de esquerda naquela época era um bocado exagerado, mas pelo menos nunca me identifiquei com o cariz elistista,nem com algumas politicas demasiado conservadoras. De facto, Jesus Cristo só poderia ser de esquerda, com efeito, não o consigo imaginar como administrador público de fato e gravata, conduzindo Jaguars, passando férias na Quinta da Marinha com o Tio Sebastião,o Tio Salvador, a Tia Pachacha, Rabeta e Tété.No entanto, como era de esquerda, NÃO PODIA IR À MISSA!!Ninguém está imune aos rótulos, dogmas e analogias automáticas e castradoras :) Como diz um amigo meu: "A vida às vezes dá voltas..."

 
à s 12 de março de 2007 às 02:27, Blogger Fábio Gomes Raposo escreveu...

"Quem é catolico é de direita e quem é de direita é catolico(...). A direita conseguiu convencer-nos disso."

Penso que não foi a direita que convenceu as pessoas disso. Aliás, nem sei até que ponto isso seria positivo.
É certo que a enorme maioria das pessoas de direita são católicas. E é também certo que uma outra grande maioria das pessoas não católicas são de esquerda. É apenas isto, não se pode falar de todas as pessoas, nem de verdades absolutas. Excepções, como essa da bandeira do PCP junto ao crucifixo, essas, há sempre de haver.

 
à s 12 de março de 2007 às 02:36, Blogger Fábio Gomes Raposo escreveu...

Só mais uma coisa que me esqueci. A direita está associada à igreja e vice-versa pelo simples motivo de defenderem ideiais semelhantes. Em todas as grandes questões sociais e modernas(IVG, drogas leves, prostituição, planeamento familiar, homossexualidade, entre outros), a direita é a área política que mais se aproxima das bandeiras da igreja católica. Daí que se faça algum sentido essa associação.

É curioso pensar em pessoas que, como tu Inês, possam por um lado apoiar a esquerda na luta pela despenalização da IVG. A igreja católica é pelo não. Como conciliar? Se fosse numa só questão, seria facilmente ultrapassável. Mas são várias os temas de discordância.
Como será possível que se seja religioso quando a nossa religião não defende os nossos ideiais? Ou, por outro lado, podemos ser religiosos sem defendermos nós os ideiais da religião?
Será apenas a fé que alimenta a nossa religião?

Dá que pensar. Grande beijo.

 
à s 12 de março de 2007 às 23:12, Blogger Ines Melo Sampaio escreveu...

Fabio, para responder a tua pergunta parece-me apropriado citar a porta-voz do Movimento Somos Igreja, movimento esse que, no referendo de 11 de Fevreiro, desempenhou o importantissimo papel de demonstrar que os catolicos nao estao todos de acordo quanto a questao do aborto e que a Igreja nao e um "clube de opiniao unica" mas antes plural, feito de pessoas diferentes com opinioes proprias: "O aborto nao e um dogma de fe". Tambem nao o sao as drogas leves, o divorcio ou o casamento de homossexuais. Dogma de fe e sim o amor ao proximo. Respondi a tua pergunta? Beijinho**

 
à s 13 de março de 2007 às 14:23, Blogger Fábio Gomes Raposo escreveu...

Sim, respondeste e agradeço. Mas fizeste levantar outra questão.
"Dogma de fé é sim o amor ao próximo". Ou seja, os principais dogmas da religião (católica) serão a fé e o amor ao próximo. Tudo bem, aceito. Mas então, porquê ser religioso?
Não sou religioso e tenho a minha fé, entendendo-a como confiança, como acreditar. Portanto tenho fé. Fé nas pessoas, Fé no bem e essencialmente Fé em mim. Não amo o próximo, porque desaprovo esse tipo de frases feitas mas desejo bem a todas as pessoas. E não preciso ser religioso para isso.

Sei que estou a fugir ao tema do post e ao seu âmago, mas não consigo evitar :)

Beijo*

 

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