Os pontos nos ii
Ser catolica e de esquerda
Hoje vou falar sobre um tema que durante muitos anos me atormentou, ate perceber que era um falso problema.
Estudei toda a vida num colegio catolico, o Colegio de S. Joao de Brito, facto do qual, alias, muito me orgulho porque este estabelecimento de ensino imprimiu em mim muitas das caracteristicas que hoje me sao idiossincraticas e sem as quais eu nao seria eu. Talvez a principal delas seja o facto de ser catolica e de ser de esquerda.
A minha familia e de esquerda, distribuindo-se as simpatias politicas pelo PS e PCP em partes mais ou menos iguais. Desde pequena que os ideais da esquerda fazem parte do meu quotidiano. Mas acontece que, va-se la saber porque, resolveram matricular-me num colegio catolico onde todos os meus colegas e professores eram de direita-direitissima (leia-se CDS). Alias, chegar a Faculdade foi para mim uma verdadeira epifania: pela primeira vez na vida nao era uma especie de D. Quixote lutando contra moinhos. Havia gente que pensava como eu.
Recordo-me a este proposito de um coloquio que houve aquando do referendo de 1998 em que, na assistencia, tive a dura tarefa de tentar um esboco de contraditorio contra um painel de padres, medicos e psicologos mais ou menos terroristas do "não". O argumento "o feto ja chucha no dedo" e a carta do feto a Mae e coisas que tais... Mas isto dava para uma outra cronica...
Mas adiante. Tinha este problema mais ou menos esquizofrenico de ser de esquerda, como filha de peixe que sou, e catolica, como aluna do colegio que fui. Há no Colegio, e creio que na sociedade em geral, esta ideia errada de uma especie de aquisicao de dominio da direita sobre a Igreja. Ou vice-versa. Quem é catolico é de direita e quem é de direita é catolico e qualquer outra solucao é contraditoria. A direita conseguiu convencer-nos disso e quando vamos a missa depois de termos estado num comicio do PS sentimos involuntariamente um friozinho na barriga.
Ate que um dia, a caminho do Algarve pela Nacional para fugir a um transito medonho na auto-estrada, passamos numa aldeia alentejana, de seu nome Cuba, onde vi esta coisa extraordinaria: uma bandeira do PCP ao lado de um crucifixo. Fiquei a matutar nisto ate Vilamoura. E finalmente compreendi.
Hoje estou convicta de que Jesus Cristo, se tivesse vindo ao mundo nos nossos dias e nao no ano 0, seria um homem de esquerda. Porque ele foi-o antes de haver esta coisa da Revolucao Francesa e da divisao do hemiciclo. Nao me passa hoje pela cabeca dizer que um homem que conviveu com pescadores, camponeses, prostitutas, doentes, invalidos e desafortunados de toda a ordem fosse outra coisa que nao um homem de esquerda. A direita e que conseguiu convencer-nos do contrario.
P.S.: Os acentos e as cedilhas nao querem nada com este post...
Estudei toda a vida num colegio catolico, o Colegio de S. Joao de Brito, facto do qual, alias, muito me orgulho porque este estabelecimento de ensino imprimiu em mim muitas das caracteristicas que hoje me sao idiossincraticas e sem as quais eu nao seria eu. Talvez a principal delas seja o facto de ser catolica e de ser de esquerda.
A minha familia e de esquerda, distribuindo-se as simpatias politicas pelo PS e PCP em partes mais ou menos iguais. Desde pequena que os ideais da esquerda fazem parte do meu quotidiano. Mas acontece que, va-se la saber porque, resolveram matricular-me num colegio catolico onde todos os meus colegas e professores eram de direita-direitissima (leia-se CDS). Alias, chegar a Faculdade foi para mim uma verdadeira epifania: pela primeira vez na vida nao era uma especie de D. Quixote lutando contra moinhos. Havia gente que pensava como eu.
Recordo-me a este proposito de um coloquio que houve aquando do referendo de 1998 em que, na assistencia, tive a dura tarefa de tentar um esboco de contraditorio contra um painel de padres, medicos e psicologos mais ou menos terroristas do "não". O argumento "o feto ja chucha no dedo" e a carta do feto a Mae e coisas que tais... Mas isto dava para uma outra cronica...
Mas adiante. Tinha este problema mais ou menos esquizofrenico de ser de esquerda, como filha de peixe que sou, e catolica, como aluna do colegio que fui. Há no Colegio, e creio que na sociedade em geral, esta ideia errada de uma especie de aquisicao de dominio da direita sobre a Igreja. Ou vice-versa. Quem é catolico é de direita e quem é de direita é catolico e qualquer outra solucao é contraditoria. A direita conseguiu convencer-nos disso e quando vamos a missa depois de termos estado num comicio do PS sentimos involuntariamente um friozinho na barriga.
Ate que um dia, a caminho do Algarve pela Nacional para fugir a um transito medonho na auto-estrada, passamos numa aldeia alentejana, de seu nome Cuba, onde vi esta coisa extraordinaria: uma bandeira do PCP ao lado de um crucifixo. Fiquei a matutar nisto ate Vilamoura. E finalmente compreendi.
Hoje estou convicta de que Jesus Cristo, se tivesse vindo ao mundo nos nossos dias e nao no ano 0, seria um homem de esquerda. Porque ele foi-o antes de haver esta coisa da Revolucao Francesa e da divisao do hemiciclo. Nao me passa hoje pela cabeca dizer que um homem que conviveu com pescadores, camponeses, prostitutas, doentes, invalidos e desafortunados de toda a ordem fosse outra coisa que nao um homem de esquerda. A direita e que conseguiu convencer-nos do contrario.
P.S.: Os acentos e as cedilhas nao querem nada com este post...
Etiquetas: Os pontos nos "ii"
6 Comments:
Não é à toa que se ouve muitas vezes, em tom de brincadeira é certo, que Jesus foi o primeiro Socialista! :)
Andei 15 anos no Colégio S.João de Brito,até certo ponto não tinha a minha posição política muito definida (ou desenvolvida), mas sempre me apercebi do cariz,ou "tendência" (se me é relacionar esta designação neste contexto :) ) daquela escola que me formou e q me incutiu muito dos valores pelos quais me oriento.Assim, creio que também me posso inserir (não de forma tão vincada obviamente) nas pessoas de esquerda que frequentaram o SJB. Se calhar considerar-me uma pessoa de esquerda naquela época era um bocado exagerado, mas pelo menos nunca me identifiquei com o cariz elistista,nem com algumas politicas demasiado conservadoras. De facto, Jesus Cristo só poderia ser de esquerda, com efeito, não o consigo imaginar como administrador público de fato e gravata, conduzindo Jaguars, passando férias na Quinta da Marinha com o Tio Sebastião,o Tio Salvador, a Tia Pachacha, Rabeta e Tété.No entanto, como era de esquerda, NÃO PODIA IR À MISSA!!Ninguém está imune aos rótulos, dogmas e analogias automáticas e castradoras :) Como diz um amigo meu: "A vida às vezes dá voltas..."
"Quem é catolico é de direita e quem é de direita é catolico(...). A direita conseguiu convencer-nos disso."
Penso que não foi a direita que convenceu as pessoas disso. Aliás, nem sei até que ponto isso seria positivo.
É certo que a enorme maioria das pessoas de direita são católicas. E é também certo que uma outra grande maioria das pessoas não católicas são de esquerda. É apenas isto, não se pode falar de todas as pessoas, nem de verdades absolutas. Excepções, como essa da bandeira do PCP junto ao crucifixo, essas, há sempre de haver.
Só mais uma coisa que me esqueci. A direita está associada à igreja e vice-versa pelo simples motivo de defenderem ideiais semelhantes. Em todas as grandes questões sociais e modernas(IVG, drogas leves, prostituição, planeamento familiar, homossexualidade, entre outros), a direita é a área política que mais se aproxima das bandeiras da igreja católica. Daí que se faça algum sentido essa associação.
É curioso pensar em pessoas que, como tu Inês, possam por um lado apoiar a esquerda na luta pela despenalização da IVG. A igreja católica é pelo não. Como conciliar? Se fosse numa só questão, seria facilmente ultrapassável. Mas são várias os temas de discordância.
Como será possível que se seja religioso quando a nossa religião não defende os nossos ideiais? Ou, por outro lado, podemos ser religiosos sem defendermos nós os ideiais da religião?
Será apenas a fé que alimenta a nossa religião?
Dá que pensar. Grande beijo.
Fabio, para responder a tua pergunta parece-me apropriado citar a porta-voz do Movimento Somos Igreja, movimento esse que, no referendo de 11 de Fevreiro, desempenhou o importantissimo papel de demonstrar que os catolicos nao estao todos de acordo quanto a questao do aborto e que a Igreja nao e um "clube de opiniao unica" mas antes plural, feito de pessoas diferentes com opinioes proprias: "O aborto nao e um dogma de fe". Tambem nao o sao as drogas leves, o divorcio ou o casamento de homossexuais. Dogma de fe e sim o amor ao proximo. Respondi a tua pergunta? Beijinho**
Sim, respondeste e agradeço. Mas fizeste levantar outra questão.
"Dogma de fé é sim o amor ao próximo". Ou seja, os principais dogmas da religião (católica) serão a fé e o amor ao próximo. Tudo bem, aceito. Mas então, porquê ser religioso?
Não sou religioso e tenho a minha fé, entendendo-a como confiança, como acreditar. Portanto tenho fé. Fé nas pessoas, Fé no bem e essencialmente Fé em mim. Não amo o próximo, porque desaprovo esse tipo de frases feitas mas desejo bem a todas as pessoas. E não preciso ser religioso para isso.
Sei que estou a fugir ao tema do post e ao seu âmago, mas não consigo evitar :)
Beijo*
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